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21 de janeiro de 2021

A PANDEMIA NOS FEZ EXPERIMENTAR O FUTURO

A pandemia nos fez experimentar o futuro. A pandemia nos fez experimentar o isolamento social. Isso é, de fato, o que nós, homens e mulheres, vivenciaremos na velhice – o isolamento social.

Lembro-me de ouvir Oscar Niemeyer dizer, aos 102 anos de idade,  que o mais triste de ter mais de 100 anos é que você não tem filhos, irmãos, pais, ninguém. Todos já morreram. Ele falava isso com uma verdade tão profunda que eu chegava a tocar nessa dor descrita por ele em palavras. Verdadeiramente muitos idosos já experimentam essa dor e muitos de nós a experimentaremos um dia.

Não quero dizer aqui que todos nós na velhice viveremos sozinhos. Tomara que não! Mas, adianto, com toda a amorosidade e delicadeza, o que em grau maior o menor acontecerá com todos nós – vivemos parte de nossa vida em isolamento social.

Sempre que alguém me pergunta sobre as dores que um psicanalista toca dentro de um consultório eu menciono as duas principais; as duas dores mais doloridas; as duas dores mais dilacerantes: a traição e a solidão. Elas rimam entre si e não por acaso,  são parentes.

Eu ouço semanalmente quem experimenta as duas dores, ou seja, a solidão e a tentativa de superar uma traição. Triste. Pura verdade. Vida  difícil.

Sei, e olha que eu juro que sei, que muitos idosos estão sozinhos por conta do isolamento dos filhos e das famílias. Alguns idosos nem filhos e nem família têm mais. Não porque todos esses já morreram fisicamente, mas porque a maioria deles já morrem funcionalmente para aquele idoso. Ou seja, muitos idosos experimentam em vida a morte de suas funções: eles morreram pro mundo do trabalho, eles morreram pro mundo das festas e das convivências sociais, eles morreram pro mundo intelectual e, enfim, morreram. Estão isolados e não conseguem acessar mais seus pares de um dia.

Tenho uma paciente idosa cujo filho vem visitá-la aos sábados às 11h30 da manhã. Ele chega, sobe até o apartamento dela, desce até o carro que fica na garagem e leva-a até o mesmo restaurante de todas as semanas. Lá ela recebe o prato pronto da mesma comida de todas as semanas anteriores e em menos de 2 horas esse filho a devolve no mesmo lugar e do mesmo modo.

Ao longo de anos e anos essa rotina está se mantendo – o filho só pode dar à mãe 2 horas de seu tempo semanal. Porém, mesmo sendo 2 horas, ela nem sequer pode escolher outra comida do cardápio. Alias elas nem sabe que naquele restaurante há um cardápio.

Essa é uma das realidades do “mundo da terceira idade”. Eu sei que há uma ideia de que a terceira idade viaja, faz festa, vai ao bingo e consome. Mas, insisto e pergunto: onde estão esses idosos? Há, eu sei, mas esses são exceções e não regras. É triste, mas há que se aceitar que a velhice é um incômodo para a grande maioria da sociedade. Nós, eu, você e tantos outros seremos incômodos um dia. Nós aceitamos, de fato, mas há um limite, uma tolerância, uma margem para a aceitação, e dali em diante não temos mais mecanismos. 

A velhice reserva para muitos a solidão, o uso intenso de medicamentos e o comprometimento com dívidas. Sim, não estou errado. Basta ler as pesquisas e constatar o número de idosos que tem suas aposentadorias totalmente comprometidas com empréstimos – muitas vezes realizados por membros da família e não por eles. Fora isso, muitos precisam tentar se manter em tratamentos e mantimentos com um salário que não pode ser acrescidos mais. Sobre isso se coloca ainda um país que teve que ter o estatuto do idoso aprovado. Por que você acha que um país precisa de um estatuto de idoso? Precisa porque tudo está maravilho? Acordem! A velhice carnavalizada pela mídia é rara ou não existe. A velhice é um tempo de solidão e de problemas também. Não estou generalizando, mas estou alertando para o isolamento pelo qual muitos idosos vivem ou pelo qual nós iremos viver e que muita gente prefere tapar os olhos.

Você que me Lê, por que você acha que os idosos são isolados e você  não será quando lá chegar? Você que me lê, quais garantias você tem para que na sua velhice todos os dinheiros que você precisar pra pagar suas contas você terá? Quais garantias você terá de que haverá amigos pra você com eles estar, viajar, almoçar ou jantar? Quem te deu certeza que sua saúde física e mental dará conta de uma vida em isolamento social?

Na verdade, não há essas certezas. Na verdade não há essas garantias. Na verdade não há essas promessas e nós, eu e você e todo mundo, precisamos nos atentar ao fato de que o pequeno isolamento trazido pela pandemia, que nos impediu de ir aqui e acolá, de nos aglomerar; foi uma amostra do que há de vir por aí. O isolamento social nos trouxe angústias e solidões e tocou em nós em pontos que antes nada tinha tocado – nos pontos da melancolia. E, para cada um desses pontos tocados temos um parecer e uma sensação que nós precisamos usar pra nos fortalecer pro futuro.

Que todos nós possamos tirar dessa pandemia e desse isolamento social várias lições e uma das mais importantes é que, no futuro, na nossa velhice, iremos viver no isolamento frequente, sem festas, sem lugares pra ir, sem pessoas, sem contatos sociais e sem utilidade. Se isso é uma realidade que te assusta, comece agora e fazer brotar vida interior pois quem tem vida interior não padece de solidão. Mas se você nem sequer quer ou aceita, minha sugestão  é que você comece agora a pensar  nisso -  cuidado,  sem se precaver você é o maior risco pro mundo.

 Você é o maior problema que o mundo no futuro terá que enfrentar: o que fazer com idosos que estão vivendo mais, porém sem qualidade de vida. Viver mais, alongar a vida, viver com remédio e pelos remédios não é necessariamente viver. A vida plena, mesmo na velhice, requer alegria na alma, requer diminuição de coisas e pensamentos. O idoso feliz vive com pouco. Na verdade, com quase nada. O idoso feliz tem muito que dizer. O idoso feliz tem palavras, tem lembranças, tem histórias, tem sabedorias, tem tempo de interlocução e tem conselhos. Se esse idoso encontra com quem dividir isso, eis a felicidade de todos – de quem fala e de quem ouve. Mas,  se nada disso que ele muito tem e muito pode, servir, todos perdem porque não aproveitar o que o idoso sabe é um desperdício de vida, um desperdício de ouro e ninguém pode ou deve desperdiçar algo tão valioso. Pensem nisso.

 

 

Com amor e delicadeza.

Prof. Dr. Geraldo Peçanha de Almeida

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